sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Paulo Leminski - La Vie en Close


Título: La Vie en Close
Autor: Paulo Leminski
Gênero: Poesia
Editora: Brasiliense

La vie en close, livro póstumo do poeta, já clássico, Paulo Leminski, acolhe, na maior parte de suas páginas, poemas inéditos, escritos depois de Distraídos venceremos (1987), e não publicados em vida pelo autor, mono em junho de 1989. Entre os textos ora editados há, por exemplo, "Limites ao Léu", poema-colagem com definições de poesia extraídas de vários poetas, escrito e publicado avulsamente, nos anos 70. Neste rol de «definições», algumas delas podem servir para explicar, ou tentar explicar, a poesia do próprio Leminski. "Fundação do ser mediante a palavra", de Heidegger, pode explicitar um dos aspectos fundamentais da poética leminskiana: a vinculação estreita entre uma visão um tanto quanto romântica da vida com a poesia; em outras palavras, poesia como elaboração da experiência. leia-se o poema, de título trocadilhesco, mas de finura e agudez, "L'être avant la lettre": "la vie en close / c'est une autre chose / c'est lui / c'est moi / c\'est ça / c'est la vie des choses / qui n'ont pas / un autre choix". Vida das coisas (pessoas) que não têm outra escolha: a fatalidade de ser poeta num mundo hostil à poesia, num mundo conformista e alienado, em muitos sentidos. Ser, pária, que se funda mediante a palavra: "feliz a lesma de maio / um dia de chuva / como presente de aniversário\". Ou então: "[...] todas as palavras da tribo / por elas / trocou a vida / dias luzes madrugada / hoje / quando volta para casa / página em branco e em brasa / asa lá se vai /dá de cara como nada /com tudo dentro / sai" e "A fala do inefável", definição de Goethe, pode também revelar outro aspecto da poética do autor de Catatau. O toque conversacional e, em semântica, a busca da expressão de situações inéditas. Leia-se, no jogo simbolista das metáforas, "Suprassumos da quintessência\": \"O papel é curto / viver é comprido / Oculto ou ambíguo, / Tudo o que digo / Tem ultrassentido / Se rio de mim / me levem a sério / Ironia estéril? / Vai nesse ínterim / meu inframistério\". Este pequeno poema remete ao tom sufocado dos textos de Jules Laforgue. "Poetry is to inspire" é a definição de poesia dada por Bob Dylan. Ela explica muito do percurso e das escolhas de Leminski, que esteve quase sempre próximo à música popular e ao rock, numa época (anos 60 e 70) em que o rock representava, com Dylan, Lennon, Hendrix, Morrison etc., informação nova e criativa. Da música popular vem o melhor e o pior de Leminski. O melhor: as melodias escritas com harmonias sintáticas irreverentes como em: "Condenado a ser exato / quem dera poder ser vago / fogo fátuo sobre um lago / ludibriando igualmente / quem voa, quem nada, quem mente / mosquito, sapo, serpente...", onde o sentido vai se dando pelo encantamento sincopado do som, que lembra, em \"ludibriando igualmente\", um Noel Rosa. Ou, num exemplo mais conclusivo, o trecho do poema "Sigilo da fonte": \"Quem há de dizer das linhas / que as ondas armem e não armem? / Quem há de dizer das flâmulas, / lágrimas acesas, tantas lâmpadas / milagres, passando rápidas [...]\". Poesia é inspirar: o pior Leminski é aquele que levou, às raias da facilidade, o lema do autor de \"Like a Rolling Stone\", como na maioria dos haicais. Leia-se: "nem vem que não tem / nenhum navio ou trem / me leva a outrem". É um primor de facilitarismo. Ou: "muito romântico / meu ponto pacífico / fica no atlântico\". Uma pobreza. Mas deve-se observar: o pior Leminski é melhor do que o melhor da maioria dos neo-maçantes candidatos a poetas que por aqui gracejam. Há, registre-se por justiça, haicais interessantes como "dia sem senso / acendo o cigarro / no incenso" ou, nonsense, "saber é pouco / como é que a água do mar / entra no coco?". O problema é que o haicai se esgotou, se banalizou, se transformou numa espécie de soneto. Uma semelhança que deve ser anotada é a do percurso de Leminski com o de Vinícius de Moraes, com todas as diferenças evidentes: Vinícius era diplomata de carreira, Leminski vivia de bicos; Vinícius foi católico por um bom tempo, Leminski zen-anarquista. Mas os dois, progressivamente, se cansaram dos "intelectualismos" da poesia e buscaram, em música popular e num certo existencialismo sartriano, a vida. Os versos, de Leminski, "quando chove / eu chovo / faz sol / eu faço / de noite / anoiteço [...]" não deixam de ser uma resposta aos versos seguintes de Vinícius: "De manhã escureço / de dia tardo / de tarde anoiteço / de noite ardo [...]" ("Poética"). Leminski morreu e antevia a morte ainda em vida. Morte física, um certo esgotamento etc. São contundentes os versos: "[...] fernando uma pessoa / j'ai perdu ma vie / par delicatesse? / oui rimbaud / moi aussi". O poeta, enquanto pessoa percebia: "perdi minha vida / por delicadeza? / sim rimbaud / eu também".

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